sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A IRL DOS PRIMEIROS ANOS


Quando a IRL foi fundada pelo dono do Autódromo de Indianápolis, Tony George, sancionando seu próprio campeonato, cujo propósito inicial era a disputa apenas em circuitos ovais, eu a acompanhei desde sua primeira corrida no oval de Orlando (Walt Disney World Speedway) em 27 de Janeiro de 1996.

As duas primeiras corridas (Orlando e Phoenix 96) foram transmitidas em VT pelo SBT no final da noite de domingo, na íntegra, com narração de Téo José. Na época a CART vivia seu apogeu, estava fortíssima e aqui no Brasil havia muita publicidade em torno do campeonato por haver 7 pilotos brasileiros na categoria e a expectativa da realização da 1ª corrida de Indy no Brasil, no oval de Jacarepaguá em Março daquele ano.

A partir das 500 Milhas de Indianápolis a IRL foi para a Band, onde ficou até a Indy500 de 2001.

Neste período eu encarava a IRL como uma categoria “tosca”, inclusive vivia usando este exato termo para defini-la. Havia um monte de pilotos americanos desconhecidos, alguns poucos nomes que tiveram um pouco de sucesso na CART anos antes (Arie Luyendyk, Roberto Guerrero e Scott Goodyear), outros que correram na CART e que estavam começando a ter sucesso já na IRL (Eddie Cheever, Scott Sharp e Buddy Lazier), e desconhecidos que repentinamente viraram estrelas como Tony Stewart e Greg Ray. Já Kenny Brack, campeão da IRL em 1998, tinha sido vice-campeão da F-3000 em 1996 e não era tão desconhecido assim. Fez seu nome na IRL, e migrou para a CART em 2000.

Tony Stewart, campeão da IRL em 1997, tinha feito o mesmo, ganhou fama na IRL e migrou para a NASCAR, onde anos depois acabou se sagrando bicampeão da Cup, a categoria principal do feudo dos France.

As equipes, segundo relatos, eram de um amadorismo pouco em moda já em finais da década de 90. As melhores eram a Foyt (do amigo pessoal de Tony George, o hepta-campeão de Fórmula Indy A.J.Foyt), a Menards (do milhonário John Menard, que sempre fazia bons carros para as 500 Milhas de Indianapolis na época da CART) e a Hemelgarn (quase como a Menards, mas um pouco abaixo). As demais, Treadway, Cheever, eram novas e emergentes.

Dessas 5 equipes que citei, lembro que na Foyt correram Scott Sharp (campeão em 1996) e Kenny Brack (campeão em 1998 e vencedor de Indianapolis em 1999), na Menards teve Tony Stewart (campeão em 1997), Robbie Buhl e Greg Ray, que foi contratado para substituir Stewart em 1999 e foi campeão no primeiro ano.

Na Hemelgarn sempre estava Buddy Lazier (vencedor de Indianápolis em 1996, e campeão da IRL em 2000), e na Cheever seu próprio dono, Eddie Cheever, vencedor das 500 Milhas de Indianápolis de 1998. Arie Luyendyk correu pela Treadway e venceu em Indianápolis no ano de 1997. Já havia ganho esta mesma corrida antes, em 1990, ainda na época da CART, fazendo do holandês-voador o único a ganhar a Indy500 pelos dois campeonatos.

Esses eram os melhores pilotos e equipes da IRL, entre 1996 e 2000, a fase que chamo de “tosca” e “fraca” da categoria. Tanto é que trato a IRL desses anos como a “Indy mais fraca” do período.

Era a mais fraca pois na mesma época a CART era a mais forte, pois tinha pilotos do nível de um Alessandro Zanardi, Gil de Ferran, Greg Moore, Jimmy Vasser, Michael Andretti, Dario Franchitti, Juan Pablo Montoya, Paul Tracy, Adrian Fernandez e Roberto Moreno. Todos os citados ficaram entre os 3 primeiros em algum dos campeonatos da CART entre 1996 e 2000, eram pilotos muito mais renomados, respeitados, famosos mundialmente, sendo que dois deles foram para a Fórmula 1 logo em seguida, Zanardi e Montoya. Embora Greg Moore tenha morrido em um terrível acidente na própria CART no final de 1999, e Zanardi não foi bem sucedido na Fórmula 1, isso não manchou o status da categoria.

Na CART havia equipes como a poderosa e rica Penske, a também poderosa e rica Newman-Haas, a emergente e vencedora Chip Ganassi, a também emergente e rica Green, e outros times respeitados e profissionais como a Rahal, Forsythe e Patrick.
A diferença de estutura e dinheiro entre as ricas equipes da CART e as medianas da IRL, era bem grande. Isso ficou evidente nas 500 Milhas de Indianápolis de 2000 e 2001.

Em 2000 a equipe que venceu os 4 campeonatos anteriores da CART, a Chip Ganassi, levou seus dois pilotos de então, Juan Pablo Montoya e Jimmy Vasser, para disputarem as 500 Milhas. O dono do time, Floyd “Chip” Ganassi comprou chassis GForce e motores Oldsmobile, da IRL, mandou pintar de vermelho com os patrocinadores, e entregou para ambos os pilotos passearem em Indianápolis. Montoya venceu muito fácil, liderando mais de 80% das voltas. Já Jimmy Vasser ficaria em 2° lugar na corrida, se não fosse um problema que o obrigou a terminar em 8°.
Uma grande equipe da CART veio, viu e venceu fácil. Deixando claro ao mundo do automobilismo a superioridade técnica dos engenheiros, mecânicos e pilotos que corriam na CART naquele momento.

No ano de 2001, o “banho” foi ainda maior, pois com o resultado da Ganassi em 2000 a Penske e a Green se animaram, compraram chassis Dallaras e motores Oldsmobile e foram para Indianápolis. No grid de largada não davam mostras da tal superioridade, mas ela apareceu na corrida, no resultado final. Os cinco primeiros colocados das 500 Milhas de Indianápolis de 2001 eram pilotos que naquele ano disputavam o campeonato da CART. A saber: 1° Hélio Castroneves (Penske), 2° Gil de Ferran (Penske), 3° Michael Andretti (Green), 4° Jimmy Vasser (Chip Ganassi), 5° Bruno Junqueira (Chip Ganassi). Uma humilhação para as equipes e pilotos do campeonato de Tony George.

Na época fiquei eufórico com este resultado, pois era fã da Indy, da CART, onde eu sabia que estavam os melhores pilotos e equipes. Menosprezava os “Buddy Laziers” que corriam na IRL.

E realmente, lembrando, a IRL dos 5 primeiros anos teve algumas figuras pitorescas correndo. O dentista, e piloto nas horas vagas, Dr.Jack Miller. A jornalista e mulher-piloto Lyn Saint-James, e uma infinidade de nomes que em tempos onde a Internet estava em seu início e não era sequer possível saber de onde vieram.

Pilotos veteranos, que obtiveram sucesso em outras categorias importantes há muito tempo, mas muito tempo mesmo, chegaram a correr na IRL deste período. Michele Alboreto, italiano, ex-piloto Ferrari na Fórmula 1, vice-campeão mundial em 1985, disputou a temporada da IRL em 1996. Depois voltou para a Europa onde morreria em um acidente testando um Audi-protótipo em 2001. Obteve resultados medianos, mas ficou pouco tempo para se acostumar com os ovais.

John Paul Junior, que derrotou Rick Mears na última volta das 500 Milhas de Michigan de 1983, na Fórmula Indy/CART, correu na IRL do final dos anos 90, e venceu uma corrida, a prova diurna no Texas em 1998.

Para quem morava no Brasil e era fã de automobilismo nesta época, a IRL era uma boa pedida na televisão. A TV Bandeirantes (atual Band) investiu forte na transmissão das corridas da IRL entre Indianápolis 1996 e final de 1998. Corridas transmitidas ao vivo, várias delas com o narrador viajando ao local do evento. Luciano do Valle chegou a ir aos EUA narrar algumas corridas, incluindo Indianápolis. Luiz Carlos Lago também ia, em algumas provas noturnas. Elia Júnior sempre era o repórter nos boxes.

Tamanha qualidade na transmissão de uma categoria cujo nível era duvidoso dá muita saudade e nostalgia, principalmente em tempos atuais onde a própria Band transmite a atual Fórmula Indy, cujo nível é bem superior da IRL daqueles tempos, com pouca qualidade de transmissão. Corridas transmitidas em canal de pouco alcance, como a Rede 21, interrupções para transmissão de jogos de futebol, narração off-tube daqui do Brasil, e um Luciano do Valle que narra mas não está mais por dentro das informações da categoria e muitas vezes dá gafes no microfone.

As únicas grandes inovações desta época na IRL foram a respeito das corridas, dos eventos.

Já na sua primeira temporada a IRL ousou correr em locais de intenso fluxo turístico dos EUA, nos recém-inaugurados ovais de Orlando (Disney World) e Las Vegas. No segundo ano, um sucesso absoluto com a primeira corrida da série no recém-construído Texas Motor Speedway, levando mais de 100.000 pessoas às arquibancadas somente no dia da corrida. E este evento, em 07 de Junho de 1997, marcou a realização da primeira corrida noturna de uma categoria de monopostos nos EUA, e talvez no mundo. Naquele mesmo ano houveram corridas noturnas em Charlotte e Las Vegas. O sucesso das corridas noturnas continuou forte, tanto que até hoje a Indy/IRL realiza eventos noturnos.

A exploração de novos mercados nos EUA foi outro forte deste período da IRL. Ir até a Disney, Las Vegas, fazer o open-wheel americano retornar ao estado do Texas após 18 anos, ao estado do Colorado após 6 anos, à Atlanta após 15 anos foi outro forte. Com exceção de Atlanta, os outros eventos foram bem sucedidos. A IRL tentou penetrar no território da NASCAR: O sul dos EUA. Com eventos em Charlotte e Dover (e também o de Atlanta), ao menos Tony George mostrou que tentaria ser ousado para fazer seu campeonato bem sucedido. Ambas as pistas duraram muito pouco, sendo o de Charlotte o que teve o fim mais melancólico: Com a corrida de 1999 anulada após realizada metade da prova por conta de um acidente na pista, cujos destroços mataram 3 espectadores nas arquibancadas.

Mas mesmo assim, naqueles 5 anos, eu era mais a CART. Foram os mesmos 5 anos onde a Championship Auto Racing Teams promoveu corridas em solo brasileiro, com a Rio 200, no oval Emerson Fittipaldi, em Jacarepaguá. Foram os mesmos 5 anos em que o SBT, segunda maior rede de televisão do Brasil, transmitia as corridas da categoria, embora a partir do início de 1999 a qualidade da transmissão caiu bastante. E não apenas por esse lado da transmissão televisiva forte, mas também eu preferia a CART pelos pilotos, equipes, carros e eventos.

Enquanto a IRL tinha chassis GForce e Dallara, com motores GM/Oldsmobile ou Nissan/Infiniti, a CART tinha chassis Reynard, Lola, Swift, Penske e Eagle, motores Ford/Cosworth, Mercedes-Benz, Toyota e os hegemônicos de então, os potentes Hondas.

Os motores da IRL eram de 3.500cc³ aspirados, derivados de série, com cerca de 650cv. Tinham um ruído semelhante ao dos motores da NASCAR. Já a CART possuía verdadeiros canhões nos carros, com motores turbos de 2.650cc³ com mais de 900cv de potência, um ruído absolutamente belo, uma sinfonia automobilística. Carros grandes, que exigiam força dos pilotos, habilidade e concentração dos mesmos.

Via-se os carrões da CART correndo em circuitos de rua apertados, com muros ao redor, como Long Beach, Surfers Paradise, Toronto, Detroit, Vancouver e Houston. Corriam em autódromos mistos, parecidos com o padrão de pista de Fórmula 1, como Portland, Mid-Ohio, Elkhart Lake e Laguna Seca. Até mesmo em uma pista de aeroporto, como o circuito de Cleveland. E no meio destas pistas, exigiam que o piloto fosse um camaleão, extremamente flexível em sua forma de pilotar, para encarar os ovais, sejam eles curtos de 1 milha como Milwaukee, Nazareth e Chicago, sejam eles mais rápidos e entre 1 e 2 milhas como Homestead, Motegi, St.Louis e Jacarepaguá, e os super-ovais que tinham 2 milhas de extensão, como Michigan e Fontana, rapidíssimos.

E os mercados alcançados? A CART ia desde a Austrália e Japão até o Brasil e Canadá. Corria no sul e no norte da Califórnia (Long Beach, Fontana e Laguna Seca), no noroeste do país (Portland), corria no Texas (Houston), na Pensilvânia (Nazareth), em Miami (Homestead), em Chicago, em Detroit “capital do automóvel”, e várias corridas no meio-oeste americano, onde sempre foi o território da centenária história do open-wheel americano, a Fórmula Indy.

Os momentos emocionantes que aconteceram nas corridas da CART foram várias. Desde a vitória de um piloto brasileiro no Brasil (André Ribeiro em Jacarepaguá 1996), até a sensacional ultrapassagem de Alessandro Zanardi sobre Bryan Herta na temível curva Saca-Rolha do autódromo de Laguna Seca em 1996, passando pela chegada com 3 carros lado-a-lado na chuvosa corrida do autódromo de Portland em 1997; pela imprevisibilidade da última volta do GP de Detroit em 1997, quando Greg Moore venceu após acabar o combustível dos líderes, Maurício Gugelmin e Mark Blundell; pelo arrojo de Alessandro Zanardi nas espetaculares vitórias em Cleveland 1997, Long Beach e Toronto 1998; pela ousadia de Greg Moore ao ultrapassar o próprio Zanardi por fora nas últimas voltas de Jacarepaguá 1998; pela eficiência de um Gil de Ferran ao vencer o equilibradíssimo campeonato do ano 2000; pelo ímpeto de um jovem estreante chamado Juan Pablo Montoya, campeão em 1999, e tantos outros momentos sensacionais.A IRL daqueles anos até tinha boas corridas, mas não era como um espetacular jogo de futebol entre Flamengo e Fluminense, entre Corinthians e São Paulo, entre Grêmio e Inter, entre Cruzeiro e Atlético, e sim, como se fosse um jogo equilibrado e disputado entre o Avaí e o América, entre o Juventus e o Vila Nova. Era como se paralelamente à Copa do Mundo de Futebol, disputada por Brasil, Alemanha, Argentina, Itália, França, Inglaterra e outras, acontecesse outra Copa, disputada por seleções fracas Iêmem, Zâmbia, Guiana, Mianmar, Papua Nova Guiné, e tivesse uma Holanda, México ou Suécia no meio para dar alguma graça, seleções que nunca foram campeãs, mas já tiveram alguma competitividade em copas anteriores.

A IRL também teve momentos imprevisíveis, como as constantes corridas que o jovem, rápido e afoito Tony Stewart perdia no final, como em Orlando e Texas 1997, por acidentes ou quebras que o atingiam. A surpreendente recuperação de Kenny Brack em 1998 que o levou a vencer 3 corridas seguidas e ser campeão.

A Indy Racing League só começou a virar o jogo a partir de 2001.

Com um calendário maior, com 13 corridas, nomes consolidados no próprio campeonato como Buddy Lazier, Scott Sharp, Greg Ray e Eddie Cheever, o surgimento do jovem e eficiente Sam Hornish Jr, e a vinda das equipes da CART para as 500 Milhas de Indianápolis, a IRL começou uma série de vitórias sobre a Indy rival a partir deste ano, que culminaria com a súbita decadência da CART e ascenção da IRL, que em pouco tempo passou a ser considerada a “Indy mais forte”, e hoje é a única Fórmula Indy que existe.

Mas isto é história para outra coluna.

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