segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

COLUNA VIAJANDO: CONVERGÊNCIA ENTRE CART E IRL EM 1996

A imagem mostra o vencedor da Indy500 de 1996, Buddy Lazier. Vitória graças à cisão.

Lógico que não vai mudar nada usar o “e se isso tivesse sido diferente...” com relação aos fatos do passado, mas para refletirmos melhor sobre os desafios que podem aparecer no futuro, é importante pensar no que houve no passado, e no que poderia ter sido feito melhor.

Sobre a longa cisão CART x IRL na Fórmula Indy, que durou “eternos” 12 anos, podemos refletir sobre os acontecimentos que se seguiram assim que a formação da Indy Racing League foi anunciada por Tony George em 1994.

Para quem não sabe, o “TG” tinha um cargo no conselho da... CART! Isso mesmo, em 1992 ele entrou para a CART em um acordo com os dirigentes da categoria, e esse acontecimento mostrava que a CART queria dar espaço para o dono do Autódromo de Indianápolis, reconhecendo a importância histórica, comercial e mitológica da corrida na Fórmula Indy e tudo rumava para que todos fossem felizes para sempre.

Só que o neto de Tony Hulman não era escutado dentro da entidade, quase não tinha poder lá dentro, e começou a se sentir em um “cargo decorativo”, apenas para que simbolicamente o dono de Indianápolis estivesse presente dentro da entidade sancionadora da Fórmula Indy.

Não era isso que ele queria. Tony George, embora tenha seus defeitos, mostrou que tinha visão ao reclamar dos altos e crescentes custos das equipes na F-Indy/CART entre 1992 e 1994.

Onde ele mostrou visão? Ora, no atual momento de crise financeira internacional, embora esteja mais de 15 anos à frente no tempo das reclamações de George, os fatos estão provando ao mundo que para uma categoria de automobilismo sobreviver será imprescindível que os custos não sejam irracionalmente altos, e possam ser controlados.

George decidiu se mexer, e procurou observar tudo de errado que tinha na CART de então. A categoria estava em um forte processo de internacionalização, onde o espaço para pilotos não-americanos era cada vez maior, e o surgimento de talentos americanos estava ficando escasso. George decidiu que fundando uma nova categoria poderia ser o local ideal para surgir e desenvolver estes talentos, mas sem nenhum tipo de impedimento que os estrangeiros participassem e vencessem, até porque a história mostra que na IRL havia presença de pilotos não-americanos desde o início.

Outra falha na CART de então, e que até um fã criado na “cultura CART” da F-Indy como eu consegue concordar, era a pouca presença de circuitos ovais naqueles tempos. Só para constar, estamos falando do período pré-cisão, que pode ser considerado de 1992 até 1995. Pois bem, nestes anos haviam apenas 6 pistas ovais no calendário da CART, e haviam em média 16 corridas por ano. Isso significa apenas um pouco mais de um-terço das corridas anuais de Indycars disputadas nas velozes pistas que exigem apurada técnica. Os ovais são o diferencial da F-Indy com relação a sua rival européia, Fórmula 1, e formam a essência da formação da cultura “Indy”, não podendo haver um calendário tão enxuto de ovais.

Assim Tony George juntou as peças para o circo que queria armar: Maiores condições de pilotos americanos competirem, mais circuitos ovais e menores custos. Ele usou essa estratégia e esses argumentos para inaugurar seu campeonato. Há quem, até hoje, acredita que Tony George queria eternamente fazer um campeonato de F-Indy nesses moldes. Grande engano, pois isso foi usado apenas para o início, mas ao longo do tempo tudo isso mudou, e a IRL de hoje tem pouquíssimo a ver com aquela categoria inicial.

O dono do oval de Indianápolis seguiu em sua estratégia de criar um novo campeonato de Fórmula Indy, paralelo ao da CART. Mas a sua intenção não era o de impedir com que os pilotos e equipes da CART competissem na recém-nascida IRL, pelo contrário, essa era justamente a intenção dele: ter os melhores carros e pilotos.

No início de 1995 George anunciou a construção do “Walt Disney World Speedway”, em Orlando, Flórida. Um oval de 1 milha na qual ele entrou de sócio na construção, junto com o Walt Disney World. A corrida seria no mês de janeiro, no sábado véspera do Super Bowl americano, onde a grande mídia do país estava focada neste evento esportivo e atraía um imenso número de americanos á lerem os jornais esportivos. Era a chance de conseguir atenção para a liga de automobilismo.



Anunciou-se também mais 2 corridas, além da tradicional de Indianápolis: Phoenix e Las Vegas, em um oval que ainda estava em construção. Mais algumas semanas e a entrada do oval de New Hampshire para a IRL era anunciada, desfalcando a CART de 3 corridas suas de um ano para o outro, Indianápolis, Phoenix e New Hampshire.

Quando George anunciou o calendário, procurou que não coincidissem datas com aquelas na qual acreditava que CART faria corridas em 1996.

O primeiro calendário foi:


*27 de Janeiro de 1996 - 200 Milhas da Disney (no Walt Disney World Speedway)


*24 de Março de 1996 - 200 Milhas de Phoenix (no Phoenix International Raceway)


*26 de Maio de 1996 - 500 Milhas de Indianápolis (no Indianápolis Motor Speedway)


*18 de Agosto de 1996 - 200 Milhas de New Hampshire (no New Hampshire International Speedway)

*15 de Setembro de 1996 - 300 Milhas de Las Vegas (no Las Vegas Motor Speedway)

Procurando manter Phoenix e New Hampshire em datas próximas as quais realizou suas corridas em 1995, ainda na CART, ajustou as demais para épocas onde a CART não estaria realizando sua temporada, que naquela época começava no início de Março e ia até o segundo domingo do mês de Setembro.

Só que a CART, para não perder suas ricas equipes e seus pilotos para a IRL decidiu ignorar a liga rival, e marcou corridas em datas que impediam as equipes da CART de competirem também na outra F-Indy. O anúncio do calendário 1996 da CART foi feito após à formalização das datas das corridas da IRL.

Inviabilizando uma viagem de alguns times da CART para Phoenix em 24 de Março de 1996, a entidade então comandada por Andrew Craig marcou para a semana anterior a primeira corrida de Fórmula Indy no Brasil, no oval de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. E para a semana seguinte de Phoenix, a corrida de Surfer’s Paradise na Austrália. Com os times e pilotos da CART fora dos EUA, a corrida em Phoenix estaria esvaziada.

E no dia 18 de Agosto de 1996, data das 200 Milhas de New Hampshire da IRL, a CART agendou o GP de Elkhart Lake, no autódromo misto do Wisconsin. Era a tática da entidade de Andrew Craig para retaliar as deserções de Phoenix e New Hampshire.

Só que a CART ao menos aceitava a idéia de que seus times e pilotos estivessem presentes nas 500 Milhas de Indianápolis de 1996, da rival IRL, desde que disputassem o seu próprio campeonato. O motivo era financeiro, já que esta corrida movimenta muito dinheiro e seus prêmios são altíssimos, sem contar a imensa tradição.

A IRL, no canto dela, estava tentando emplacar seu próprio campeonato, e a CART tomou uma medida para neutralizar o campeonato rival. Tony George então tomou uma decisão drástica, que foi mal interpretada por muitos: No melhor estilo “ou eu ou eles”, forçou as equipes e pilotos da CART a se decidirem por correr nas 500 Milhas de Indianápolis ou no campeonato da CART, já que em ambos os campeonatos tornara-se impossível.

A decisão de George foi reservar 25 vagas no grid das 500 Milhas de Indianápolis de 1996 para os carros que estivessem competindo no campeonato da Indy Racing League daquele ano.

Aí a briga ficou séria. George acreditava que com essa medida ao menos metade do grid da CART viria para seu campeonato apenas por conta da Indy500. Mas não foi isto que aconteceu.

Em seguida a CART agendou para o mesmo dia, 26 de Maio de 1996, uma corrida de 500 Milhas com premiação de US$ 1 milhão, a “U.S. 500”, 500 Milhas dos Estados Unidos, no oval de Michigan.

E manobras nos bastidores, dentro da CART, garantiram que ninguém iria para Indianápolis em 1996, e assim apenas duas equipes muito fracas, a A.J.Foyt Enterprises e a Dick Simon Racing, se mudaram da CART para a IRL entre 1995 e 1996.

O resto da história muitos já sabem: Tony George encheu o grid de seu campeonato com equipes fraquíssimas de campeonatos de midgets americanos, que trouxeram muitos pilotos desconhecidos para a recém-fundada liga, e a CART manteve-se mais forte por mais 5 anos em separação completa da IRL, até iniciar sua longa decadência onde perdia equipes, patrocinadores, pilotos e fornecedores para a F-Indy rival entre 2001 e 2004.

Agora vamos para os “e se isso tivesse sido diferente...”.

Se ao menos a CART e a IRL buscassem uma convergência desde antes do fechamento dos calendários, a cisão não teria durado tanto tempo, ou ao menos ambas não teriam “se auto-destruído” ao ponto de causar um período de enfraquecimento das corridas de Indycars.

E motivos para acreditarem que essa convergência era a melhor coisa a fazer naquele momento não faltavam: a NASCAR já estava crescendo e se expandindo por todo o território americano, deixando de ser o regional da Carolina do Norte que era até os anos 80.

Existir dois campeonatos de uma mesma categoria até não seria um enorme problema caso ambos os campeonatos tivessem o mesmo regulamento técnico, calendários sem conflitos de datas e os mesmos pilotos e equipes em ambos. Seria um estímulo para alguns, que se não conseguissem vencer na CART, poderiam tentar algo melhor na IRL.

Vamos fazer uma suposição. O que aconteceria se a CART e a IRL não agendassem corridas em datas conflitantes?

Teríamos um ano de 1996 com 20 corridas de Indycars, sendo 10 delas em circuitos mistos e 10 em circuitos ovais. Uau! Belíssima alternância de tipos de pistas!

Apenas com um calendário sem conflitos seria possível essa hipotética temporada que vou supor, já que a IRL de 1996 foi disputada realmente com o mesmo regulamento técnico da CART, embora a partir de 1997 a primeira adotou um regulamento técnico completamente diferente do que a rival de Andrew Craig, deixando o abismo entre ambas ainda maior.

Teríamos a seguinte seqüência de corridas, em ordem cronológica, e duas observações:

(IRL) 27 de Janeiro de 1996 – 200 Milhas da Disney (Walt Disney World Speedway) – Oval de 1 milha
(CART) 03 de Março de 1996 – 200 Milhas de Miami (Homestead Motorsports Complex) – Oval de 1,5 milha
(CART) 17 de Março de 1996 – 400 Kms do Rio de Janeiro (Autódromo de Jacarepaguá) – Oval de 3 kms
(CART) 31 de Março de 1996 – GP de Surfer’s Paradise (Gold Coast, Austrália) – Circuito de rua
*(IRL) 07 de Abril de 1996 – 200 Milhas de Phoenix (Phoenix International Raceway) – Oval de 1 milha
(CART) 14 de Abril de 1996 – GP de Long Beach (Califórnia, EUA) – Circuito de rua
(CART) 28 de Abril de 1996 – 200 Milhas de Nazareth (Nazareth Speedway) – Oval de 1 milha
(IRL) 26 de Maio de 1996 – 500 Milhas de Indianápolis (Indianápolis Motor Speedway) – Oval de 2,5 milhas
(CART) 02 de Junho de 1996 – 200 Milhas de Milwaukee (The Milwaukee Mile) – Oval de 1 milha
(CART) 09 de Junho de 1996 – GP de Detroit (The Raceway on the Belle Isle Park) – Circuito de rua
(CART) 23 de Junho de 1996 – GP de Portland (Portland International Raceway) – Autódromo misto
(CART) 30 de Junho de 1996 – GP de Cleveland (Burke Lakefront Airport) – Circuito de Aeroporto
(CART) 14 de Junho de 1996 – GP de Toronto (Exhibition Place) – Circuito de rua
(CART) 28 de Junho de 1996 – 500 Milhas de Michigan (Michigan International Speedway)– Oval de 2 milhas
(CART) 11 de Agosto de 1996 – GP de Mid-Ohio (Mid-Ohio Sports Car Course) – Autódromo misto
(IRL) 18 de Agosto de 1996 – 200 Milhas de New Hampshire (N.Hampshire Int’l Speedway) – Oval de 1 milha
**(CART) 25 de Agosto de 1996 – GP de Elkhart Lake (Road América) – Autódromo misto
(CART) 01 de Setembro de 1996 – GP de Vancouver (Concord Pacific Place) – Circuito de rua
(CART) 08 de Setembro de 1996 – GP de Laguna Seca (Laguna Seca Raceway) – Autódromo misto
(IRL) 15 de Setembro de 1996 – 300 Milhas de Las Vegas (Las Vegas Motor Speedway) – Oval de 1,5 milha

* = A corrida da IRL em Phoenix originalmente ocorreu em 24 de Março de 1996. Esta data de 07 de Abril é hipotética, e teria servido para não conflitar com as corridas da CART no Brasil e Austrália.

** = A corrida da CART em Elkhart Lake originalmente ocorreu em 18 de Agosto de 1996. Esta data de 25 de Agosto é hipotética, e teria servido para não conflitar com a corrida da IRL em New Hampshire.

Lembrar que na corrida da IRL em Las Vegas tivemos de verdade uma pequena participação de pilotos e equipes da CART, que se encontravam voltando da última etapa deste campeonato em Laguna Seca. A Walker de Robby Gordon foi para Las Vegas e a Della-Penna de Ritchie Hearn, disputou algumas poucas corridas da CART durante o ano, e venceu a corrida de Las Vegas pela IRL.

Com este calendário teríamos algo parecido com o que ocorria na Fórmula 3 Inglesa até o final dos anos 70, onde havia 2 campeonatos diferentes, mas o regulamento técnico era o mesmo, e os calendários evitavam conflitos.

Supor quem da CART de 1996 teria corrido também nas 5 corridas da IRL soa abstrato demais, já que na vida real não houve quem desse fortes indícios disso, com exceção da Walker, Della Penna e Galles (esta última botou 1 carro na CART e 1 na IRL).

Mas a convergência no calendário teria sido o início de um entendimento, mesmo que por alguns anos existissem dois campeonatos, desde que tivessem o mesmo regulamento técnico e datas diferentes. Ao menos a “guerra civil” não teria acontecido na Indy, e criaria-se uma situação onde todos sairiam ganhando, como no Futebol americano, onde há duas entidades, cada uma com seu campeonato, a AFL (American Football League) e a NFL (National Football League), elas buscaram um entendimento e o campeão nacional se dá entre o vencedor da liga da AFL contra o campeão da NFL, no famoso Super Bowl no final de janeiro.

Nas Indycars, teríamos as 500 Milhas de Indianápolis como o grande Super Bowl do automobilismo.

Oportunidades para a CART não se guiar pela arrogância naquela ocasião e de Tony George tentar a conciliação ainda era possível. Ambos não quiseram, e após 12 anos estamos aqui, torcendo para a Indy voltar a seus grandes dias sem mais divisões.

Um comentário:

  1. Esse conflito entre IRL e CART nao ajudou nem um nem outro. No final, os 2 sairam perdendo.

    Que bom que tudo ficou unificado mais uma vez :)

    Abraços!

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